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Gerson Conrad, da lendária banda Secos & Molhados, concede entrevista exclusiva ao Bolha Musical

Secos e Molhados. Quem nunca ouviu falar desse grupo? Formado na década de 70, o grupo é uma referência nacional quando o assunto é rock and roll. Conhecido por suas melodias complexas e ricas em detalhes, por suas poesias herméticas e por suas nuances sonoras (responsáveis por eternizar hits por todo o país), o grupo formado por Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo marcou gerações.


O primeiro disco da banda, lançado em agosto de 1973, foi uma revolução em todos os sentidos. O álbum vendeu mais de 1 milhão de cópias em todo o país (sendo 1,500 unidades vendidas apenas na primeira semana de seu lançamento) e alcançou uma posição de destaque na música. A banda já chegou ao fim, mas seus integrantes continuam na ativa, fazendo shows e mergulhados de cabeça em suas carreiras-solo. Gerson Conrad que o diga!


Com uma carreira solo elogiada, é curioso que Conrad tem feito uma série de apresentações para um público cada vez mais jovem. Por isso o jornalista musical Rafael Fioravanti decidiu bater um papo com o músico e saber todas suas impressões sobre o show, sobre sua carreira e, claro, sobre o atual cenário da música no país. Confira abaixo a entrevista.



Bolha Musical: Bom, você tem feito uma série de shows com sua banda solo e, no repertório, os grandes clássicos dos Secos e Molhados é claro que não têm ficado de fora. Levando em consideração que os primeiros discos dos Secos e Molhados saíram todos no começo da década de 70, você vê essas apresentações como uma oportunidade dos jovens finalmente entrarem em contato com a música da banda? Gerson Conrad: Isso tem sido uma constância nas minhas apresentações desde 2007. Eu ando recebendo nos shows um público que varia dos 17 aos 30 anos de idade. Muito timidamente, eles vão ao camarim e falam: “Pô, eu vim aqui porque o meu pai falou que era uma obrigação eu conhecer o seu trabalho, meu pai é seu fã e tal”. Então esse boca a boca tem aumentado gradativamente a cada apresentação que faço, e acho que, claro, isso é sempre uma oportunidade de estar interado. Desde 2007, eu ando percebendo um interesse muito grande por parte dessa molecada mais nova que vem conhecer a tão falada criatividade dos anos 70. Eles estão sempre buscando isso, o que é sempre muito positivo ao meu ver.


Bolha Musical: Podemos dizer que a música dos Secos e Molhados é um pouco mais complexa se comparado às músicas atuais. O som não é só marcado por uma riqueza instrumental (os discos mesclam vários estilos), mas é muito marcado também por poesias. Você acha que compreender o significado das músicas hoje é diferente da compreensão que o povo tinha lá na década de 70? Gerson Conrad: Não, acredito que não. Eu acredito piamente que não. A maior parte do repertório dos dois discos do Secos e Molhados foi trabalhado em cima de grandes nomes da nossa literatura, então são obras eternizadas. Claro, houve, infelizmente, uma defasagem em termos de educação no nosso país, dos anos 70 pra cá; as escolas e o ensino se deterioraram muito... na década de 80, os jovens estavam literalmente burros. Mas tudo isso por culpa do MEC e do governo em relação ao ensino. Eu acho que não existe a menor possibilidade do texto das músicas, como mensagem, não ser entendido.


Bolha Musical: Você mencionou a literatura, então acho válido nos lembrarmos de “Rosa de Hiroshima”, uma das canções que mais marcou a carreira do Secos e Molhados. A letra foi escrita por Vinicius de Moraes e você entrou com toda a parte instrumental. Parece que por mais que o tempo passe, a música continua tendo o poder de se manter atual. Como a plateia reage ao vê-la sendo tocada nos shows? Gerson Conrad: Bom, “Rosa de Hiroshima” é um clássico, e aí o que acontece é o seguinte: na poesia de Vinicius de Moraes, ela tem uma temática universal e que é, infelizmente, findada pela postura e ética humana. Quer dizer, a guerra está sempre ao nosso lado e a qualquer momento pode aparecer um louco aí apertando o botão vermelho. E o poema “Rosa de Hiroshima” fala exatamente dessa catástrofe nuclear, desse perigo, de todas essas coisas. Então, ela é atual muito por esse motivo. É uma música realmente atemporal, ela sempre estará recente.


Bolha Musical: Você saberia me dizer a reação de Vinicius de Moraes ao ouvir a música pela primeira vez? Gerson Conrad: Ah, quando eu tive a oportunidade de estar ao lado de Vinicius ele se emocionou muito. Mesmo porque nós estávamos em um dos camarins da TV Bandeirantes, e ele, coincidentemente, estava no camarim ao lado (na época, ele estava gravando com o Toquinho). E assim que eu soube que ele estava lá, fui até ele para mostrar a música que eu havia feito em cima do poema dele e assim pedir autorização. Ele se emocionou muito, ficou com lágrimas nos olhos e, por fim, ele profetizou uma coisa que acabou se eternizando. Ele pegou no meu braço e disse: “Tenha certeza que a sua música vai eternizar o meu poema”. E foi realmente isso o que aconteceu. Segundo o próprio Vinicius, esse poema era de pouco conhecimento público. Ele estava perdido no meio da “Antologia Poética” de Vinicius.


Bolha Musical: Gerson, mudando um pouco de assunto, fale para mim como se deu essa sua parceria musical com a Zezé Motta. Gerson Conrad: Então, eu vinha de um trabalho onde eu fazia a segunda voz, que é muito pertinente aí nas duplas sertanejas, e essa era minha função ali dentro do trabalho do Secos e Molhados. E eu não estava acostumado a me ouvir cantando como solista, até porque minha voz estava muito permeada com a voz do Ney (em primeiro plano) e pela voz do João Ricardo (como contraponto). E eu ainda era muito menino, tinha apenas 21 anos de idade quando gravei o disco, me sentia muito inseguro. Por isso, muito em função de toda essa minha insegurança, acabei convidando a Zezé Motta. Eu precisava de uma voz para me dar sustentação no trabalho. No fim, foi uma experiência legal... mas eu confesso honestamente que não repetiria essa mesma coisa hoje. Com a experiência que tenho de vida, eu teria encarado a coisa sozinho. Não estou falando que não foi bom ter trabalhado com Zezé Motta... mas a questão é que se eu tivesse ouvido os conselhos do Márcio Antonucci, que foi meu produtor na Som Livre, eu realmente teria feito todo esse trabalho sozinho. E eu só vim a perceber isso muitos anos depois, conforme fui amadurecendo. Hoje em dia, o disco já é um trabalho válido e acabou se tornando até uma coisa meio cult. O disco é muito prestigiado hoje em dia, muita gente o procura e consegue até o vinil original. A Som Livre até o relançou em CD lá por 2003 ou 2004, não me lembro o ano. Por isso o disco ainda continua em catálogo e segue vendendo (não tem nenhuma venda muito expressiva, mas está ainda em catálogo e você o encontra nas boas lojas especializadas em discos e CDs). À parte de tudo isso, foi uma experiência muito válida na época para mim, porque me ajudou a amadurecer não só minha autoconfiança, mas também meu posicionamento de trabalho.


Bolha Musical: E como você descreveria a sua relação com o rock, e acima de tudo, com o blues? Gerson Conrad: Eu tenho uma relação ótima com todos os gêneros musicais, porque eu tive uma educação musical muito embasada naquilo que as pessoas chamam erroneamente de música erudita. Ou seja, tive uma formação clássica. Eu estudei violão dos 11 aos meus 17 anos de idade, com um professor espanhol radicado aqui no Brasil (um discípulo de Segovia) e isso me deu até hoje todo o embasamento que tenho de formação musical. E também música não tem rótulo nem fronteira, então com o mesmo desprendimento que eu componho um rock, eu consigo fazer também qualquer outro gênero musical. O que eu posso resumir em termos do meu trabalho atual, é que, além da releitura dos sucessos do Secos e Molhados (que farei amanhã no show), o restante será basicamente de músicas inéditas. É um material inédito, mas que eu já venho testando desde 2007 com o público e sempre teve uma aceitação positiva pelo fato de eu ter conseguido manter a mesma qualidade não só musical, mas também literária (algo que fez com que o Secos e Molhados marcasse tanto o mercado fonográfico). Outra coisa: hoje meu trabalho é permeado também com novos parceiros. Desde a década de 80 eu venho escrevendo letras minhas de próprio punho, mas, antes, eu só tinha um único parceiro. No meu primeiro disco (com Zezé Motta) e também no segundo, meu parceiro era o Paulinho Mendonça. Depois, já na década de 80, comecei a diversificar esse tipo de coisa, mas acabei não gravando nenhum disco porque o mercado fonográfico havia mudado muito e as gravadoras já estavam com uma cabeça mais diferente. A década de 80 foi uma coisa muito comprada por produtores musicais que só tinham interesse nas coisas que eles lançavam e desprezavam outras. Quando começou a se falar sobre produção independente, ainda na década de 80, eu (por uma questão de bom senso) me recusei terminantemente a gravar qualquer tipo de coisa. E acho, ainda hoje em dia, que o trabalho independente aqui no Brasil ainda não tem a menor instrução. Você acaba acarretando um monte de responsabilidade de estúdio, custo com músicos, custos de toda a sorte, para acabar não tendo uma distribuição boa em termos de território nacional e acabar vendendo 10, 15 discos por show, algo que nunca foi meu objetivo. Bolha Musical: Entendi... Gerson Conrad: Eu sou uma pessoa mal acostumada, porque saí do ostracismo aos 20 anos de idade para o maior sucesso que esse país já teve, e aí falo sem falsa modéstia: eu acho que as empresas que “gritam” de maneira mentirosa (ou seja, que não existem mais, mas que continuam aí produzindo discos, como a Sony Records ou a Warner), têm a obrigação de ouvir o meu trabalho por causa de toda a minha contribuição ao cenário musical brasileiro. Eles podem até não gostar do meu trabalho, podem até não querer me contratar como artista e podem até não querer lançar o meu disco (que é um direito que eles têm), mas eles não podem deixar de ter a obrigação de me ouvir. É por esse motivo que fiquei muitos anos sem gravar absolutamente nada. Eu acabei de gravar um CD agora (que deve ser lançado ainda este ano no mercado), mas o gravei da forma que queria, e com a qualidade que nos permitem hoje, eu estou com uma qualidade tão grande como a desses selos que ainda continuam no mercado. O que eu estou fazendo agora é negociando com essas empresas para poder ter uma distribuição legal em termos de território nacional e internacional, pois, sinceramente, não me interessa lançar nenhum tipo de trabalho novo e vender alguns poucos discos para amigos em shows. Isso não faz minha cabeça, não me apetece e não é meu objetivo. Esse é o meu posicionamento.


Bolha Musical: Você comentou que pretender lançar um novo disco ainda esse ano. Esse material novo dialoga mais com o quê: com o Secos e Molhados, com sua carreira solo ou com um novo rosto chamado Gerson Conrad Cult? Gerson Conrad: Não, ele é um Gerson Conrad atual. O que acontece é aquilo que explico sempre: eu falo, também sem falsa modéstia, que se o Secos e Molhados tivesse perdurado até os dias de hoje, provavelmente o som que nós estaríamos produzindo seria bem próximo disso que estou propondo nesse novo trabalho. Mas isso ocorre por uma questão lógica. Eu era um dos compositores do grupo e mesmo tendo pouca participação no primeiro disco (por questões internas, como ganância e poderio que o João Ricardo detinha), a minha contribuição acabou deixando marcas. Um exemplo disso é a própria “Rosa de Hiroshima”. A canção é, indubitavelmente, a referência do disco. E não só do disco, mas também da carreira-solo do Ney [Matogrosso]. Isso eu afirmo com testemunhos gravados publicamente, como é o caso de “Ney Canta Cartola” (show que ocorreu numa ocasião de fim de ano, no Teatro Bandeirantes). Na ocasião, Ney termina o show e pergunta à plateia: “o que vocês querem ouvir como bis?” E aí as pessoas começam: “Rosa de Hiroshima! Rosa de Hiroshima! Rosa de Hiroshima!” Claro que “Rosa de Hiroshima” não pertencia ao repertório do Cartola, mas a canção era, sem dúvidas, o carro-chefe da carreira do Ney Matogrosso. Tendo explicado isso, o que eu coloco é o seguinte: como compositor, eu venho de uma evolução natural daquilo que apresentei nos anos 70, tanto em termos de musicalidade quanto em termos de criação natural. Então, para o show amanhã, o repertório do Secos e Molhados está cobrindo 33,3% das músicas que serão apresentadas e o resto será composições de minha autoria. Essa é a característica das minhas músicas novas: todas elas são uma evolução natural daquilo que apresentei nos anos 70.


Bolha Musical: Eu percebi que o cenário musical está muito difícil atualmente. Na sua opinião, que artista canta para a geração atual? Gerson Conrad: Ah, eu acho que nós temos uma grande gama de artistas que cantam para a geração atual. Entre eles, temos, indubitavelmente, a Ivete Sangalo... ela vem com um trabalho relativamente audível em termos de informação literária. Mas existem mais artistas, é claro! Dentro do cenário artístico, há o próprio Ney Matogrosso, que está aí há mais de 50 anos e tem todo o cuidado de apresentar um trabalho de peso, de nível, se renovando a cada apresentação que faz. Eu poderia até citar nomes, mas acho isso um pouco anti-ético. Citei a Ivete Sangalo, porque sou fã, gosto muito do trabalho dela e ela é, indubitavelmente, a grande representante do cenário artístico nacional de cantores. O Frejat também tem um bom trabalho! Tem o Lulu Santos... tem o Guilherme Arantes que agora está retomando sua carreira... ou seja, são pessoas que ainda têm muito a contribuir.


Bolha Musical: Qual a sua mensagem final para todo mundo que vai ler ou ouvir essa entrevista futuramente? Gerson Conrad: Gostaria que todos demonstrassem um pouco de interesse para saber do meu trabalho! (risos)

"Gerson Conrad, da lendária banda Secos & Molhados, concede entrevista exclusiva ao Bolha Musical" por Rafael Fioravanti | Bolha Musical | Foto: Facebook

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