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Grande reportagem: A Questão Político-Ideológica no Punk (Parte 3 de 4)

Continuação da Parte 2 (clique aqui se ainda não a leu).


Após o discurso prolixo de Michel “Sukata” Stamatopoulos acerca de sua visão política dentro de uma gangue punk, onde, em meados dos anos 80, ele participou, pergunto o que ele acha da linha tênue entre o movimento punk e o movimento skinhead. “Eu particularmente acho essa junção, essa aproximação muito legal e muito bacana. Voltei da Europa agora no final do ano, nós fomos fazer aquilo que seria, entre aspas, a nossa última turnê na Europa, e lá isso ainda é bem vivo. Falando de um contexto de grupo, e não de um contexto individual, o punk, hoje, se mantém estático às suas raízes e origens. O punk ainda é contra o pré-estabelecimento, contra o Estado e seu poder... poder, este, que ainda gera toda essa discussão de classes. Este daí é o punk. Ele vive ainda de uma forma, entre aspas, “anárquica” e na base do pão, terra e auto-gestão. E por outro lado, nós temos o movimento skinhead, que tem como base uma característica mais disciplinadora, mais familiar, mais tradicional aos interesses da família e da propriedade. E isso que é o legal! Toda essa multidisciplinariedade transforma o que seria o underground, o, novamente entre aspas, “reverso da cultura de massa”, numa coisa bacana, que é a aceitação, o conhecimento da liberdade de expressão e da amplitude de conhecimento. E é essa mesma amplitude de conhecimento que te gera a liberdade de expressão, a liberdade de aceitação. Então o convívio entre punks e skinheads é muito legal para quem tem esse conceito – que seria o conceito libertário. Um punk pode até discutir com um skinhead e vice-versa, isso também acontece lá na Europa, mas o bonito é que se trata de uma discussão de duas pessoas que tentam se compreender e se unir. Assim, eles já se fazem unidos pela própria discussão. A discussão une. É errado dois conceitos que não discutem, mas que só se divergem. E geralmente o erro está naquele que evita a discussão, já que a ideia de uma pessoa que não discute se baseia na imposição.”

Vamos, agora, deixar as coisas claras e elucidar de uma vez por todas o que realmente acontece entre o movimento punk e o tal movimento skinhead. Já disse que o punk rock surgiu na primeira metade dos anos 70, mais precisamente em 1974, com os Ramones. Quem levou o punk para a Inglaterra também foram eles, em quatro de julho de 1976, no feriado da Independência dos Estados Unidos. Apesar de os Ramones terem sido os pioneiros do movimento punk rock, quem o popularizou para todo o mundo foram os Sex Pistols. Isso é inegável. E por mais que ambas as bandas sejam tão diferentes em temáticas, em estilo de composição e em arranjos, a mais importante diferença entre elas é a seguinte: os Sex Pistols sempre foram esquerdistas; já os Ramones foram apolíticos na maior parte de sua carreira. E antes que alguém erga a mão em protesto, querendo afirmar o que eu já sei, me adianto: isso que afirmei a respeito dos Ramones é feito com base em uma análise coletiva, e não individual. Atente-se a isso, repetirei: coletiva, e não individual. Isso significa que eu estou analisando a banda, e não os integrantes. Os Ramones são uma banda que raramente compunham música com temática política, gritando elogios ou críticas ao Estado. A banda costumava compor músicas falando de filmes de terror, de romances, de viagens, carros, qualquer outro tema, com exceção de política. Vez ou outra, saía uma crítica a algum elemento do Estado, e se fizermos uma análise, todas as pouquíssimas vezes que isso ocorreu, foi feito num ponto de vista claramente mais à esquerda do que para a direita. Simples. Volto a mencionar o caso da visita do então presidente Ronald Reagan ao cemitério de Bitburg (o cemitério tem o nome de Cemitério Militar de Kolmeshöhe), onde estão enterrados 49 membros ilustres da cúpula nazista do führer Adolf Hitler. Na música “Bonzo Goes to Bitburg” (do nono álbum da banda, “Animal Boy”, de maio de 1986), os Ramones criticam o ocorrido, comparando o então presidente Ronald Reagan a um chimpanzé. No caso, “Bonzo” é uma alusão ao primata da comédia heteróclita que o ex-presidente estrelou em 1951, quando ainda desfrutava de sua carreira cinematográfica. Isso é humor negro. O estranho seria se os Ramones, ao contrário, tivessem tecido elogios à visita de Reagan, apoiando (aí sim, seria algo a ser grifado). A faixa “Eat That Rat”, do mesmo álbum, também merece atenção especial.

Já os ingleses do Sex Pistols quase sempre escreviam letras político-sociais e sempre foram abertamente voltados a uma posição mais esquerdista, tecendo críticas à conservadora sociedade inglesa. Vale, inclusive, lembrarse de um episódio: em 1977, durante a gravação da música “God Save The Queen” (do primeiro álbum da banda, o famoso “Nevermind The Bollocks”), as críticas à rainha Elizabeth II eram tantas que os funcionários da gravadora fizeram greve contra o lançamento do álbum.

Tendo esse ponto esclarecido, não é de se surpreender que muitos admiradores da música punk não compartilhassem desse ponto de vista político. Por isso, quando houve o nascimento de uma vertente de direita no movimento punk, em resposta à tendência apolítica/esquerda de sempre, não acabou sendo causa de surpresa alguma. E com duas vertentes completamente distintas em jogo, faz-se mais do que necessário responder uma pergunta: qual das duas vertentes mais ganhou força?

Bom, o surgimento de uma vertente direitista na música punk, o Oi!, em meados dos anos 70, fez com que muitos punks deixassem de lado o movimento e passassem a abraçar a cultura skinhead. Não foram poucos os punks que abnegaram o moicano e adotaram – a curto ou longo prazo – o uso de coturnos Doc Martens, camiseta polo Fred Perry, suspensórios e a cabeça raspada. Basta olharmos bandas como Blind Pigs e para os próprios Garotos Podres que notaremos esse detalhe.

Em relação ao gênero Oi! (que nada mais é do que o punk de direita, e não necessariamente de extrema-direita), várias bandas surgiram abraçando as mais diversas causas: o nacionalismo; a honra à cultura branca e ódio aos negros; o separatismo; o antissemitismo; a homofobia; o ódio aos nordestinos; a luta ideológica contra o comunismo (com uma vertente ainda mais específica chamada de RAC, sigla de “Rock Against Communism”, ou, como alguns preferem dizer aqui no Brasil, “Rock Anti-Comunista”); e muitas outras causas de luta.

Explicado então a linha tênue entre o movimento skinhead e o punk, vamos para o segundo ponto da discussão. Quando citamos o nome skinhead, automaticamente nos lembramos daqueles sujeitos radicais que a mídia tanto nos mostra: extremistas matando nordestinos a paulada, queimando índios e mendigos em praças públicas ou atacando homossexuais. Tudo isso ocorre graças a um psitacismo transmitido há décadas pela mídia. Agora, de duas uma: ou a mídia tem preguiça de pesquisar um pouco e mostrar a verdade dos fatos, ou ela não tem interesse que o público saiba a verdade dos fatos. Sinta-se à vontade para escolher. Particularmente, eu acredito na segunda opção.

Se pararmos para uma pesquisa aprofundada, veremos que a Jamaica foi de domínio britânico por 200 anos. E se continuarmos a pesquisa, não demoraremos para descobrir, graças à enciclopédia católica, que no ano de 1660, a população jamaicana era de 4,500 brancos e 1,500 negros. Assustadoramente, esse número se alterou em pouco tempo. Em apenas dez anos, o número de negros superou o de brancos. Além disso, a escravidão na Jamaica – e estamos, de novo, falando do domínio britânico – só foi abolida no ano de 1838.

Na década de 50, a economia britânica passava por momentos bem difíceis, o que fez com que o governo encorajasse a migração no intuito de gerar mais empregos.

Sabemos também que a relação entre britânicos e jamaicanos era muito próxima naquela época, visto que a Jamaica pertencera ao domínio britânico, e se tal relação era fortalecida em bons ou ruins laços, isso não importa. O que importa é que a cultura skinhead no começo de tudo, e agora já me refiro aos anos 60, século XX, era fortemente marcada pela presença de negros. E, sim, isso significa que, a princípio, os primeiros skinheads foram negros. Skinheads brancos e negros conviviam lado a lado – fator muito atribuído ao fato de ambos trabalharem nas fábricas inglesas, lado a lado. Justamente pelo movimento skinhead possuir raízes operárias, torna-se compreensível de entender o porquê de seu visual e característica. Em relação ao visual, o coturno, a calça jeans e o cabelo curto (ou raspado, não há regra) são acessórios típicos de um trabalhador de fábrica; enquanto que a paixão pela cerveja, pelo futebol e pelo ska (música jamaicana) tornam-se características. O futebol, nos dias de hoje, é assistido no mundo inteiro e tornou-se uma febre em diversos países (na Inglaterra, principalmente). Contudo, vale ressaltar que o futebol também já foi visto como um “esporte de classe baixa”, para pessoas menos favorecidas economicamente. Assim, era comum os primeiros skinheads, negros e brancos, saírem juntos da fábrica e se reunirem na casa de alguém para tomar cerveja, ouvir música (lembre-se do “Toots and the Maytals”) e assistir partidas de futebol. Cultura, essa, aliás, do machismo, associada aos skinheads até os dias de hoje.

Levando esse simples resgate histórico em consideração, temos novamente de reconhecer a importância dos negros nessa história. É por tal razão que se torna inaceitável, contraditório e oligofrênico um skinhead se dizer racista.

Sabendo da existência, agora, de grupos skinheads com ambas as ideologias, seja de esquerda ou de direita, é preciso também se atentar ao surgimento de novos grupos skinheads no passar dos anos. Um dos mais conhecidos grupos de skinheads tradicionais – ou seja, skinheads autênticos, que promove uma união entre negros e brancos – é a SHARP (Skinheads Against Racial Prejudice), grupo que busca resgatar a verdadeira história skinhead. Foi um grupo criado em 1987, na cidade de Nova Iorque. Foi o britânico Roddy Moreno, guitarrista da banda Oi! galesa The Oppressed, um dos responsáveis (senão o responsável) pela popularização da SHARP. Além disso, foi ele quem pensou na escolha do elmo para ser o símbolo da SHARP, já que o elmo é uma referência à gravadora Trojan Records, conhecida por lançar artistas e grupos negros. Na contramão disso tudo, temos também o grupo de Skinheads White Power, que visam a supremacia da raça branca. Trata-se de um grupo espalhado por todo o mundo, que conta com sedes numa grande gama de países. Na Inglaterra, por exemplo, uma das bandas que mais levava as ideias nacionalistas para frente (além de ideias supremacistas), era a Skrewdriver, liderada pelo frontman Ian Stuart Donaldson. A Skrewdriver, diga-se de passagem, começou como banda punk, e só posteriormente, lá pelos idos dos anos oitenta, tornou-se uma banda skinhead, fortemente marcada por claras tendências racistas. Eles não só estavam a encomiar Adolf Hitler e a raça ariana, como também exerciam muita influência dentro do movimento RAC. Em 1987, eles lançaram seu quarto álbum, o famoso “White Rider” (com todas as letras compostas pelo vocalista Ian Stuart Donaldson), e podemos dizer que este disco se divide majoritariamente em três grandes pilares: o supremacismo branco (que dá nome ao álbum), a xenofobia, e óbvio, o anti-comunismo.

Na Itália, uma das mais lembradas bandas de extrema-direita foi a “A.D.L. 122”. O nome da banda, por si só, já é controverso. Significa “Anti Decreto Legge 122”, ou “contrários ao decreto 122”. Na Itália, o decreto 122 proclama “misure urgenti in materiale di discriminazione razziale, nazionale, etnica e religiosa” (traduzindo, “medidas urgentes em matéria de discriminação racial, nacional, étnica e religiosa”). O álbum mais famoso da A.D.L. 122 talvez tenha sido o “L’Angelo Della Morte” (segundo álbum do grupo, lançado no ano de 1995 e composto por doze músicas). Se pegarmos, por exemplo, a letra da quinta faixa do álbum, “Non Morirà Mai” (Não Morrerá Nunca), lemos os seguintes versos nacionalistas: “No, non morirà mai la nostra rabbia / No, non morirà mai il nostro orgoglio / No, non morirà mai la tradizione / No, non morirà mai la nostra gente. / Controllo della stampa e delle opinioni / Tra lobbies di potere e congreghe di massoni / Ma il diritto alla casa e il diritto al lavoro, sono solo un sogno per il popolo italiano.”

No Brasil, a história não foi nem um pouco diferente. Por todo o país, surgiram bandas de skinheads de direta e extrema-direita, como Tumulto 64, Tropel, Treta HC, Comando Blindado, Brigada NS, Zurzir, etc. Ao mesmo tempo, bandas mais sensatas também pipocaram país afora, como Juventude Maldita, Bota Gasta, Bandeira de Combate (formada por skinheads da Bahia), e várias outras. Por mais que a ideologia direitista fosse a que mais se sobressaísse, ambas tiveram a sua voz.

Ao lado da ideologia de direita, surgiu em São Paulo a banda Brigada NS. Famosos pela música “Migração”, que protesta contra a migração de nordestinos para o Estado de São Paulo, a Brigada NS é notável também por ojerizar judeus, negros, nordestinos e por cultuar a imagem do líder nazista Adolf Hitler. Por sinal, vale deixar claro que as bandas que cultuam a imagem do antigo líder nazista são chamadas de “bandas 88” (pelo fato do H ser a oitava letra do alfabeto, faz referência ao lema “Heil Hitler”).

A música “Migração”, lançada em 2001, no álbum “O Retorno da Velha Ordem”, cita os seguintes versos: “Dia após dia, migram do nordeste centenas de imundos que são uma grande peste / Nossa histórica cultura está sendo esquecida / Nosso povo se mistura com essa espécie apodrecida / Não, migração. / São Paulo está ficando pequeno demais! / Amo São Paulo, quero viver em paz! / Migração diária, polui o nosso Estado / Tenho de lutar, não vou ficar parado.”

Pouco se sabe sobre os integrantes da banda Brigada NS. Também não sei se eles já foram ou não punidos pelo teor arcaico e discurso de ódio em suas músicas. Prossigamos.

A banda Comando Blindado também traz em seu repertório letras de cunho racistas. Do álbum “Luta Nacional”, destaco a letra das músicas “Mais Um Skinhead” e “Volta CCC”. A primeira, de clara tendência nacionalista, é um grito de união aos jovens brasileiros que compartilham da mesma visão da banda (um grito de união para que tais jovens se unam dentro do movimento). A segunda, faz referência ao Comando de Caça aos Comunistas (órgão paramilitar de extrema-direita, atuante principalmente durante a década de 60). A música enaltece o CCC (que na época, era formado majoritariamente por estudantes universitários das universidades Mackenzie e do Largo São Francisco), trazendo o comunismo a um patamar de perigo à sociedade.

Como já dito anteriormente, muitos punks, por não se identificarem com visões de esquerda ou de centro, deixaram de lado o movimento punk e se aderiam ao movimento skinhead, que já possuía em si visões mais direitistas, como conservadorismo, nacionalismo e o lema de “Deus, Pátria e Família” a guiá-los. Vale ressaltar também que toda a cena nacional muito se diferenciou da cena internacional, principalmente no tocante à cena inglesa. Na Inglaterra, até hoje, há uma clara visão de ideologia de grupo e muitos punks e skinheads não só compartilham de uma mesma ideologia como também andam juntos, lado a lado, sem problema algum. Aqui no Brasil, a cena é deveras confusa. Nunca houve uma aproximação entre punks e skinheads, e, um dos principais motivos disso, é a visão político-ideológica.

Podemos dizer que em relação ao primeiro, o segundo álbum do Comando Blindado, intitulado de “Marchando Rumo à Vitória”, possui letras bem mais fortes. Neste segundo disco, o destaque vai para as músicas “Imprensa Sionista”, “Judeu Bom é Judeu Morto”, “Maldita Raça” (três faixas antissemitas), e “Cada Vez Te Odeio Mais” e “Pra Você Tanto Faz” (ambas de caráter anti-comunista). Atenção à letra de “Cada Vez Te Odeio Mais”, através dos versos: “Cresce a violência e meu ódio aumenta mais / E o podre comunismo se alastra como doença ruim / Juventude perdida por sua falta de ideologia / Futuros mortos-vivos, criando todas as mentes podres e doentias. (...) / Cada vez eu fico com mais raiva / Eu sei que isso me faz mal / Mas não vou cruzar meus braços nem ficar calado / Raça vermelha irracional / Cada vez te odeio mais.”

Outra banda brasileira foi a Zurzir, surgida no sul do país, em meados dos anos 90. A Zurzir é conhecida por cultuar a imagem do führer e também por ojerizar migrantes – nordestinos, mais especificamente. Conhecidos pela faixa “Grandeza Racial”, suas músicas são melodias bem trabalhadas, com grande uso de violões e guitarras (além de possuírem boa qualidade de gravação se comparado com outras bandas nacionais do gênero). A Zurzir possui dois álbuns: o primeiro, “Battle Voice”, foi lançado em 1999; o segundo, lançado em 2013, foi alcunhado de “Triunfo da Vontade”.

Além das gravações de teor racista, foi anunciado em 2006 que o músico Alexandre Fraga Carneiro e outros integrantes da banda Zurzir foram condenados pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul por crime de apologia ao nazismo e ódio a minorias, especificadas na lei 9.459/97. A 11ª Vara Criminal de Porto Alegre afirmou que a pena de dois anos e 11 meses em regime aberto foi substituída por multa e duas restritivas de direito. Além das músicas de teor racista, eles agrediram um grupo de pessoas com taco de beisebol pelas ruas de Porto Alegre.

Por outro lado, surgiram também bandas skinheads que gritam por justiça e somam voz ao grito de igualdade que ainda soa tímido no movimento skinhead. São a esses skinheads que nos referimos quando usamos a expressão “espírito de 69” (aludindo ao começo do movimento, quando ainda existia uma verdadeira união entre negros e brancos).

A Bota Gasta, a exemplo disso, é uma banda paulista que se encontra na ativa desde 2002. Conhecidos pela música “Somos Uma Mistura de Raças”, lançada em 2007 no álbum “Guerra Civil”, a letra é um grito contra o preconceito racial e profere os seguintes versos: “Tanta ignorância sem razão / Querem te mostrar algo que não se deve existir / Bando de idiotas, doentes mentais / Fora do Brasil, racismo nunca mais. / Somos uma Mistura de Raças, temos orgulho de ser brasileiros / Lutando pela nossa bandeira e pela nossa nação.”

Embora o movimento skinhead e o movimento punk tenham um grau de parentesco, o movimento skinhead, ainda erroneamente, é visto, graças à insistência da mídia, como um movimento de racistas, enquanto que o movimento punk (ainda que mais tolerado socialmente), é tachado pela mídia apenas como uma fúria adolescente, tal como ele era ainda em seus primeiros dias, e não como uma forma genuína de protesto que acabou dando certo e obteve credibilidade com o passar dos anos.

Sobre o movimento nos dias de hoje...

“Olha, a sociedade mudou muito”, responde o baixista Michel “Sukata” Stamatopoulos. “E nós ainda temos um problema terrível, em especial na América Latina, pois somos considerados países dentro de um conceito colonial. Então nós temos uma situação implicada em nossas vidas de sermos sempre considerados colônia. Isso daí, a cada dia que passa, a esquerda do país (e da América Latina de forma geral), acentua cada vez mais, personalizando esse contexto colonial. Eu acho isso um absurdo e o punk não foge disso, pois ele é feito de pessoas como mim e você. A gente acaba sendo produto e característica do meio em que vivemos. Então, por mais que você questione e por mais que você esteja com um moicano na cabeça e calças rasgadas, dentro de um contexto libertador do pré-estabelecido pelo Estado, você acabará caindo nas garras do Estado em algum momento da sua vida (nem que seja tendo que abrir uma cerveja para comemorar com os amigos o tombamento de um carro da polícia militar). De um jeito ou de outro, você é articulado para pensar sobre isso e agir dessa maneira. Então se eu começasse no movimento punk naquela época com a cabeça que eu tenho hoje (eu entrei nos Garotos Podres com 16 anos de idade, hoje tenho 48), eu poderia compreender que o punk não morreu, porque, como diz o ditado, “enquanto tiver uma pessoa com o pé descalço no chão sujo, o punk estará ali.” E o punk nunca há de morrer, porque a sociedade vive dentro desse ciclo. A diferença é que o punk hoje não se adequou à realidade dos fatos. Se o punk tivesse evoluído de alguma maneira, hoje nós poderíamos encontrar grandes fazendas no interior do país sendo administradas de forma anárquica pelos punks; mas você não vê absolutamente nada”, diz ele, demonstrando até mesmo um pouco de irritabilidade pela coisa. “E quando eu digo anarquia não me refiro ao conceito de sair por aí chutando lata de lixo, quebrando vidro de bancos e destruindo viaturas de polícia.”

Em relação ao fim da banda em 2012, o ex-vocalista grassou por toda a mídia on (obviamente a mídia off não cobriu tal notícia) que o fim havia se dado por “um conflito ideológico”. Por isso, aproveitei para perguntar a Sukata se a dissidência foi de fato uma discrepância ideológica, como todos costumavam sempre afirmar assertivamente. “Olha, não foi ideológico”, ele me respondeu inopinadamente. “Só de vermos a deterioração que aconteceu na banda, a ponto de eu e Mao ficarmos sozinhos como membros iniciais, já percebemos que há uma coisa errada aí. O que Mao não imaginava era que eu fincasse o pé e falasse que ele estava errado. A questão não é de ser ou não um conflito ideológico, mas de não ter subserviência aos interesses políticos particulares de uma pessoa.”


Continua no dia 17 de junho, sábado da semana que vem, quando publicarei a parte 4.

"Grande reportagem: A Questão Político-Ideológica no Punk (Parte 3 de 4)" por Rafael Fioravanti | Bolha Musical

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