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Gepeto - Ação Direta e Letall - concede entrevista ao Bolha Musical

O vocalista Gepeto começou sua carreira na segunda metade da década de 80, com a banda de hardcore Ação Direta. O grupo sempre foi diferenciado na cena underground, por suas composições socialmente engajadas e, acima de tudo, por sua música bem trabalhada – particularmente recomendo os discos "Baseado em Fatos Reais" (1994) e "Intervenção" (1998), clássicos da cena hardcore underground brasileira.


Agora, em pleno ano de 2017, com tensões políticas no Brasil e no mundo, o Ação Direta completa 30 anos em atividade. Levando-se em consideração que o grupo sempre manteve-se no underground da música, 30 anos é, sim, algo a ser comemorado; é, sim, algo a ser brindado e enfatizado.

Com 30 anos de hardcore nas costas com o Ação Direta, engana-se quem pensa que o vocalista Gepeto está cansado. Na verdade, ele ainda encontra-se em grande forma, com ideias de som borbulhando a todo vapor na cabeça. E isso foi perfeito para que Gepeto idealizasse o Letall, a sua mais nova banda. O Letall lançou em 2016 o seu primeiro disco, batizado de "Máquina de Propaganda". E o trabalho merece destaque, merece visibilidade na atual cena do país. É por isso que o jornalista Rafael Fioravanti, fundador do Bolha Musical, quis conversar com ele e ir mais a fundo na história do Ação Direta e também do Letall. Gepeto tem história, hein? Ainda há muito a ser dito.


Bolha Musical: Gepeto, o Ação Direta está completando 30 anos. Isso é muito tempo para uma banda independente, que busca se manter sempre fiel às suas raízes underground's. Como se manter 30 anos ininterruptos em atividade? Gepeto: Realmente é muito tempo e confesso que jamais imaginamos isso, jamais imaginamos que a banda teria essa longevidade. Nesse tempo todo, vimos bandas e bandas surgirem e ficarem pelo caminho... nós seguimos firmes e, hoje, temos um grande prazer, mas também uma grande responsabilidade, em atingirmos essa marca. Eu acho que nosso comprometimento com o som pesado e também nossa amizade foram os dois fatores de maior peso que mantiveram a banda rodando por aí todos esses anos. Tivemos a capacidade e a sensibilidade de nos renovarmos e de nos reinventarmos tanto como banda quanto como indivíduos. Isso nos fortalece muito nesse momento, estamos vivos!

Bolha Musical: Em fevereiro de 1988, no Bar Fim de Noite, em Ipiranga-SP, o Ação Direta fez o seu primeiro show. Quais as lembranças mais memoráveis daquela noite? Gepeto: Nossa, tenho muitas lembranças dessa noite! Até por que foi a nossa primeira apresentação ao vivo na vida (risos). Me lembro que tínhamos apenas 4 músicas: "Pior Que Um Animal", "Quantos Mais Morrerão?", "Pivete" e "Progresso/Destruição". E como tínhamos poucas músicas, a gente teve que tocar duas vezes cada uma (risos). Me lembro que nosso amigo Gian Coppola levou um bumbo de bateria para o show de ônibus! E a galera agitou legal, ali foi onde ocorreu a nossa iniciação. A formação da banda nesse dia foi clássica: era eu na guitarra, Denis no baixo, Panda na bateria e o Tropeço (Deflagração Atômica) nos vocais. Saímos de lá numa banca e voltamos todos de ônibus para casa. Boas lembranças!

Bolha Musical: Acho que um dos shows mais curiosos do Ação Direta foi o episódio que aconteceu em novembro de 1991, na cidade de Foz do Iguaçu, que rolou problemas com polícia, promotor que sumiu, enfim, foi uma zona! Para tirar a dúvida de muitos fãs da banda: o que de fato aconteceu ali? Gepeto: Cara, fizemos duas viagens a Foz Do Iguaçu-PR no início dos anos 90 que ficaram muito marcadas. Foram bem loucas! Esse episódio rolou por lá no show de lançamento do "Resistirei", nosso primeiro LP. Após uma viagem de ônibus de linha de mais de 16 horas – saindo da Rodoviária Tietê, em SP – chegamos moídos a Foz e ainda fizemos o show, que foi animal! Acho que rolaram umas 40 garrafas de breja ali, e estava um calor tão grande que simplesmente elas não faziam efeito (risos). Até aí firmeza! O problema começou quando o produtor do show simplesmente sumiu sem avisar ninguém. A gente tinha que embarcar e não tinha passagens! Procuramos o cara num rolê a pé por vários lugares, porque ninguém tinha carro na época. Até que depois de mais ou menos umas duas horas, chegamos (através de algumas indicações) a uma garagem de ônibus sinistra. Entramos e estava rolando um churrasco. A gente ficou naquela situação meio que sem entender nada, mas eis que, de repente, o produtor aparece. E antes que a gente tivesse a oportunidade de brigar com o cara, ele já "nos tranquilizou" dizendo que estava tudo OK e que iríamos embarcar ainda naquela mesma noite. Ele disse, inclusive, que o ônibus já estava lá estacionado na garagem. Mas alguma coisa parecia estranha, porque o pessoal ali do churrasco (e que iria embarcar no ônibus para SP) parecia claramente incomodado. Havia uma certa tensão no ar e nós não sabíamos se era por causa da nossa presença. Depois de uns 30 ou 40 minutos por lá, chegou a hora do nosso embarque e caímos dentro (risos). E com o ônibus já na estrada, a gente descobriu que estávamos num ônibus de contrabando Paraguai-SP... e descobrimos também que a carga era só de bebidas e placas de computadores. E isso tudo em 1991, nós não tínhamos qualquer ideia sobre computadores naquela época (risos). Daí num determinado momento, uma mulher se levantou de uma das poltronas e se dirigiu pra frente do ônibus. Parecia meio que a líder. "Pessoal, pessoal, vamos fazer uma corrente que vai dar tudo certo". Nesse momento ela puxou um "Pai nosso que estais no céu..." que cresceu e foi rezado em uníssono no ônibus todo. Éramos os únicos ali só observando, sem entender nada ao certo. Então no meio de tudo isso, o ônibus saiu da estrada e entrou no meio do mato, por uma estradinha de terra surreal. Ficou tudo um breu e a gente se mijando de rir da situação. Mal sabíamos que estávamos desviando de barreiras da Polícia Federal. A coisa foi ficando tensa e o silêncio imperava na parada toda... porra, foi preocupante! Após toda essa carga de emoção, amanhecemos de volta em São Paulo 16 horas depois.

Bolha Musical: Gepeto, o que você pensa sobre a configuração da atual cena política do Brasil e como isso afeta o som de suas bandas (não só d'Ação Direta, mas também da Letall)? Gepeto: Chegamos ao fundo do poço! É uma vergonha! Uma corja de bandidos há décadas e décadas roubando o país! E na outra ponta da situação, temos a miséria extrema! Estamos perdendo nossos jovens, perdendo a infância das crianças, perdendo o respeito pelas mulheres, perdendo os bons valores! Regredimos décadas, e tudo isso é um reflexo direto dessas roubalheiras e dessas péssimas gestões. Um reflexo da impunidade! Isso influencia diretamente nossas vidas, e claro, influencia também as nossas músicas. Tentamos passar conteúdo, auto estima, incentivo, ideias e visões alternativas às pessoas, principalmente aos jovens. Tentamos fugir da cegueira coletiva e da alienação; aprender o verdadeiro significado da palavra respeito.

"Gepeto (Ação Direta e Letall) concede entrevista ao Bolha Musical" por Rafael Fioravanti | Bolha Musical

Bolha Musical: O Ação Direta tem 8 álbuns gravados até hoje (sete de estúdio e um ao vivo) e o Letall tem o álbum "Máquina de Propaganda", lançado ano passado. Numa era digital, os downloads podem tanto ajudar uma banda independente (divulgando o som no mundo todo), como pode também atrapalhar bastante uma banda independente (prejudicando as vendas de material físico). Como você enxerga essa questão? Gepeto: O mundo mudou, e continuará mudando rápido daqui pra frente. É mais do que necessário acompanharmos todas essas mudanças. Na verdade, hoje, mesmo com todas essas profundas mudanças, ainda temos um público dividido para todos os formatos. E mesmo com as dificuldades de manter uma banda independente, temos que procurar atuar em todos eles – difundir nossa música pelas plataformas digitais, Youtube, internet geral e também nos formatos CD e LP. Hoje em dia, uma banda independente não sobrevive sem um trabalho massivo em cima desses formatos e também de forte organização logística. Temos que nos adaptar.

Bolha Musical: O álbum "World Freak Show", último do Ação Direta até o momento, foi gravado no Estúdio Mr Som (SP) e teve a produção de Marcello Pompeu do Korzus. Como foi trabalhar com ele? Gepeto: Fizemos três álbuns da nossa discografia ali no Mr Som, com nossos amigos Pompeu e Heros. Foi excelente, pois eles têm muita bagagem e experiência – e a gente procurar absorver tudo isso. Tivemos momentos mágicos ali trabalhando com eles, e para mim, o Pompeu é uma figura muito importante. Ele me ensinou muito sobre como usar a voz, ele me ajudou muito a expandir o meu estilo. E todo esse aprendizado vem num clima de amizade e profissionalismo muito forte. São profissionais como ele que fazem o rock acontecer não só no palco (com o grande Korzus), mas também ali no estúdio, produzindo bandas.

Bolha Musical: A Ação Direta segue a todo vapor, inclusive vocês planejam um disco novo para o começo de 2018. Você pode nos adiantar alguma coisa sobre isso? Gepeto: A banda completa três décadas agora no segundo semestre. E nós temos orgulho de atingir uma marca assim tão significativa, sempre procurando manter o alto nível de trabalho – mesmo tendo enfrentado diversas dificuldades. Estamos voltando de férias e já estamos trabalhando e nos organizando para celebrar bastante, a gente quer comemorar mesmo! Mas assim que começamos a ensaiar a volta aos trabalhos, nosso guitarrista Pancho decidiu não participar mais e deixou a banda! Agora eu, Galo e Marcão seguimos em frente e, nesse momento, estamos com um novo guitarrista chamado Denis, que encontra-se atualmente em fase de testes. Pretendemos estar de volta aos palcos agora no segundo semestre! Show especial com set-list irado! Temos bons projetos para os 30 anos da banda, isso sem mencionar os shows comemorativos. E claro, teremos, sim, novo álbum de inéditas para 2018. Outra coisa que estamos decididos em retomar e avançar com a ideia é o projeto de documentar a banda. É um trabalho que começa agora, mas que só será lançado nos próximos anos.

Bolha Musical: Falando um pouco agora do Letall, "Máquina de Propaganda" é um excelente disco e o curioso é que ele foi gravado no Estúdio Family Mob através do projeto AllStar Rubber Tracks. Como foi esse processo? Gepeto: Foi uma loucura, um desafio, mas conseguimos fazer o nosso melhor. Através do AllStar Rubber Tracks, passamos um dia no grande Family Mob acompanhado de dois grandes profissionais: Jean Dolabella & André Kbelo. Eles nos deixaram bem à vontade e nos ajudaram muito com a captação das 10 baterias do álbum; no final, os irmãos Wagner e Gigante também aproveitaram várias guias de guitarra e baixo das sessões no estúdio. Fomos bem eficientes e colhemos os frutos de vários ensaios pesados durante nossa preparação. Soubemos aproveitar bem a oportunidade que nos foi dada no Family Mob. As vozes do álbum foram gravadas no estúdio caseiro do nosso brother Angelo Hipólito e as cordas foram finalizadas pelos irmãos em casa, com plugins – o Wagner, nosso guitarrista, também mixou o álbum nesse formato e a masterização foi feita com o produtor Lolly. Foi assim que nasceu o "Máquina de Propaganda", que tem esse título inspirado no documentário "War You Don't See".

Bolha Musical: Como se dá o processo de criação do Letall? Vocês compõe juntos ou individualmente? Gepeto: Basicamente preparamos esqueletos, montamos a ideia da música e vamos evoluindo via computador, até o momento de passá-la com a banda nos ensaios. Mas também já aconteceu de compormos juntos. Creio que estamos todos adaptados a compor de várias maneiras, mas essa que mencionei é a que tem funcionado melhor até agora para nós. E seguimos trabalhando assim nas novas composições – que farão parte do nosso próximo álbum, com lançamento previsto para 2018. Já estamos registrando várias ideias e gravando vários esqueletos. Vem coisa boa aí pela frente!

Bolha Musical: Qual é sua faixa preferida do disco "Máquina de Propaganda". Por quê? Gepeto: Gosto do álbum todo no geral, mas minhas prediletas são "Longe Demais", pela sonoridade, pelo andamento, pelo solo de guitarra e pela letra, que retrata muito bem o comportamento das pessoas atualmente. Também estão entre as minhas preferidas as faixas "No Campo da Ciência", "Desumanizados", "3000 Voltz" e a faixa-título "Máquina de Propaganda".

Bolha Musical: Gepeto, agradeço muito por essa entrevista, você é gente fina! Mande sua mensagem final para o povo que vai ler essa matéria. Gepeto: Eu agradeço o espaço e parabéns pelo excelente site! Continuem valorizando e apoiando as bandas e toda a cena independente. Estamos aqui trabalhando forte! Esperamos vocês nos shows da Letall e também esperamos vocês para comemorar junto conosco os 30 anos de Ação Direta. Em breve, várias novidades. Valeu!

"Gepeto (Ação Direta e Letall) concede entrevista ao Bolha Musical" por Rafael Fioravanti | Bolha Musical

Fotos: acervo pessoal


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