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Juventude Maldita: Demente concede entrevista ao Bolha Musical

A banda Juventude Maldita tem história para contar. São 20 anos de punk rock, 20 anos de protesto, 20 anos de um grito contra tudo aquilo que eles julgam equivocado no sistema. Mesmo com 20 anos de carreira, engana-se quem pensa que, hoje, a banda vive numa constante. O cenário underground aqui no país se faz altamente difícil, e, nas palavras do próprio Demente (guitarrista e vocalista do grupo), "o Brasil exige que você realmente faça as coisas por si só".


Confira aqui a entrevista que o jornalista musical Rafael Fioravanti fez com Demente, membro fundador da Juventude Maldita. Em sua mais recente entrevista, Demente discute os maiores orgulhos da banda, o começo de carreira, turnês, financiamento coletivo, o aclamado disco "Germinal" (2006), o punk na era digital, e muitos outros temas. Entrevista para fã nenhum botar defeito.



Bolha Musical: A Juventude Maldita é uma banda que, agora em 2017, completa 20 anos em atividade. São 20 anos de underground tocando para um público restrito e fiel. Qual o maior orgulho da banda nesses 20 anos? Demente: O primeiro é que, apesar de muitas dificuldades, nós nunca paramos de tocar. É muito difícil ter uma banda punk aqui, o Brasil é um país engraçado; por exemplo, se a sua banda tem influência do punk, ela vai ter espaço; se a sua banda tem influência do horror punk, ela vai ter espaço; se sua banda tem influência do hardcore, ela também vai ter espaço; agora quando a sua banda tem uma postura punk e levanta um questionamento punk (essa coisa de questionamento social, de questionar o sistema, de reclamar, de apontar o dedo), aí eu já acho que muitas portas se fecham. É muito difícil. A gente tem pouquíssimos lugares para tocar e são pouquíssimas as mídias que falam sobre o que a gente faz. O Brasil tem muito público, aqui o punk é fértil, mas tem realmente poucos espaços. Então um grande orgulho nosso é estarmos aí há 20 anos, existindo, enchendo o saco, colocando o dedo na ferida para um monte de coisa e, claro, aprendendo também um monte de coisas, porque a gente não está aqui só para apontar direções e fazer questionamentos, a gente está aqui para aprender também. Outro orgulho nosso nesses 20 anos é que nunca mudamos a nossa postura. A gente já teve oportunidades claras de fazer um lance mais comercial e de deixar de lado esse lance de anarquismo, punk e crítica social, mas a gente escolheu não fazer isso, pois esses temas são coisas da nossa vida. Não tem por que estarmos aí sem sermos fiéis ao que somos.

Bolha Musical: Em 2000, vocês gravaram o split "Total Punk" junto com a banda Resistência. Eu queria saber como surgiu esse convite ou como se deu essa iniciativa? Demente: Nessa época aí eu tocava no Phobia, e em 1 de janeiro de 2000, já havíamos lançado o "Ousar Lutar Ousar Vencer". Embora eu também já estivesse com a Juventude Maldita há alguns anos, a banda ainda não tinha tanta projeção; o Phobia tinha mais. Nessa época, a Juventude Maldita ainda era mais um projeto paralelo na vida da gente, uma coisa que ainda não tinha se desenvolvido tanto e o pessoal da banda Resistência era muito meu amigo – eu sou amigo do Vampiro há muitos anos. Então uma hora acabou surgindo essa parada de split aí, pois eles também tinham uma banda, também precisavam gravar, também queriam ter um registro legal e a mesma coisa acontecia com nós; por isso falei: "pô, vamos gravar, vocês gravam também e a gente lança isso juntos, dividindo todos os custos." E acabou que isso foi uma treta, cara! Foi foda levantar grana e fazer esse split acontecer! (risos) Mas foi legal. Nós e o Resistência gravamos tudo no mesmo estúdio, mas nossa gravação acabou ficando até mais tosca que a deles. Esse split é bacana, porque mostra o começo da Juventude Maldita... a gente tinha 2 ou 3 anos de banda, éramos tudo moleques. Um dia eu gostaria de regravar esse "Total Punk", com mais qualidade, tocando melhor. Quem sabe algum dia... Enfim, para ser mais objetivo, a gente era tudo amigo, a gente cresceu tudo junto, então era natural que a gente buscasse a banda de um pessoal parceiro para fazer um primeiro lançamento. A gente não tinha grana, foi coisa de moleque mesmo. Não teve planejamento por parte de ninguém – acho que até fui eu quem teve a ideia –, eu só sabia que ele era brother e, como nós, também queria lançar um material. Foi uma coisa muito natural.

Bolha Musical: Em 1999, você criou o selo Rebel Music. Embora a cena underground brasileira tenha sido sempre difícil, a criação da Rebel Music, na sua opinião, foi reflexo da escassez de oportunidade na cena independente? Demente: Pô, que pergunta legal essa! Com certeza! O selo Rebel Music começou com o pessoal que já tocava comigo no Phobia, na Juventude Maldita e mais uns amigos, então começou como uma coisa de molecada. Todo mundo fala "vamos fazer!", mas no final sempre sobra pra um. E sobrou pra mim. Todo mundo foi pulando fora logo no começo e só ficou eu tocando a parada adiante. A gente não tinha espaço e ainda não temos espaço nenhum, porque o Brasil não tem selo, não tem uma estrutura underground desenvolvida, aqui as pessoas não compram discos, as pessoas não querem pagar ingresso para ir ao show, enfim, aqui as pessoas ainda têm uma mentalidade muito medieval do underground. As pessoas acham que o punk é feito só para elas curtirem e isso é um egoísmo. As pessoas não entendem que tudo tem um custo – ou todos participam e fazem uma coisa em comum ou tudo perde o sentido. Tem gente que infelizmente pensa que cabe à banda pagar gasolina, corda, ensaio, gravação e ainda acha que pode entrar de graça no evento (sem falar que no show ainda quer que você toque cover dos Ramones porque está doidão e o dinheiro dele foi tudo no goró e no pó). Mas para resumir, é uma escassez total de espaço, por isso nós temos essa coisa da Rebel Music lançar a música dos amigos (nós que lançamos a coletânea "Punk Rock, Distorção e Resistência", o "Ousar Lutar Ousar Vencer", o "Total Punk", etc). A gente sabe que nenhuma banda vai chegar lá sozinha, porque, aqui, não há condição de banda nenhuma chegar sozinha ao estrelato, às rádios, à MTV ou no SESC. Nós somos uma cena peculiar, com características peculiares e com pessoas que têm uma afinidade e modo de pensar muito diferente que a maioria das pessoas de nosso país. Então ou a gente fortalece a cena para todo mundo crescer junto, ou vira só um jogo de ego, com uma banda tentando crescer e o resto que se foda. Tudo isso só para falar que, sim, a Rebel Music nasceu por conta da escassez de oportunidade na cena. Nós fizemos nosso próprio selo porque não tinha como lançar o nosso material. E já se passaram 20 anos e a gente continua tendo que usar a Rebel Music, né? Ainda não surgem selos e não pintam outras oportunidades, o Brasil exige que você realmente faça as coisas por si só. Aqui a parada é louca mesmo, não tem massagem.

Bolha Musical: Em 2008, a Juventude Maldita foi fazer uma turnê pela Europa. Qual é a sua melhor recordação dessa turnê? Demente: A primeira turnê que a gente fez na Europa foi em 2008; a segunda, em 2014. Cara, foi muito bacana! Era um sonho, claro, assim como eu acredito que seja um sonho também para muita gente experimentar esse gostinho de uma cena underground organizada – uma cena que funciona e tenha uma estrutura maior. Teve vários shows muito legais, mas eu acho que o ponto alto não só dessa turnê, mas de toda a minha carreira, foi quando tocamos em uma cidade (cujo nome não me lembro) da República Tcheca com o Cólera. Tem no Youtube um vídeo desse momento. Eu conheço o pessoal do Cólera desde moleque, sempre fomos amigos – o Redson era um grande amigo, assim como o Val e Pierre são grandes amigos – e estar lá tocando com eles depois de velho, sendo que eu tinha 17 anos quando os conheci, foi de pensar: "pô, aqui é onde o meu ciclo se completa". E nesse dia ainda o Redson me chamou para cantar "Direitos Humanos" com ele, minha música favorita do Cólera (e ele sabia que eu a curtia pra caralho). Foi muito legal! É uma memória muito querida que eu guardarei para sempre. Fico feliz que alguém tenha filmado isso.

"Juventude Maldita: Demente concede entrevista ao Bolha Musical" por Rafael Fioravanti | Bolha Musical

Bolha Musical: A Juventude Maldita agora abriu um crowndfunding para lançar um novo EP (batizado de "Manual do Guerrilheiro Urbano") em vinil de 7 polegadas – serão 500 unidades e quatro faixas inéditas, sendo uma delas um cover de "Harder They Come" do jamaicano Jimmy Cliff. Por que vocês decidiram partir para um financiamento coletivo? Demente: A gente decidiu partir para o financiamento coletivo porque não tínhamos grana. A gente investiu dinheiro na banda nesses últimos anos através de uma arrecadação que conseguimos com venda de camisetas, discos e fazendo shows (sem falar de dinheiro nosso). Investimos essa grana também em nossa última turnê na Europa e em outros shows que fizemos (aqui na América do Sul, fomos ao Peru e Colômbia fazer shows) , então a gente é uma banda em dívida permanente. Estamos sempre endividados. Por isso a gente achou o crowndfunding uma parada bacana, porque, no final das contas, a galera paga mais barato pelo produto que quer e ainda ajuda a banda a lançar o material. Todo mundo se ajuda, é uma coisa bem punk mesmo. Não só acho o crowndfunding uma ideia bacana como acho também que a tendência (pelo menos na cena punk, hardcore, underground e crust) é que a galera comece a utilizar essa plataforma para viabilizar seus projetos. Outra coisa, você comentou do cover que a gente faz do Jimmy Cliff, né? Bom, eu sou muito fã dele, gosto muito de reggae e de ska, e Cliff é um cara que me influenciou muito. Mesmo não sendo um som punk, eu o considero um músico do caralho, escuto muito. Eu queria fazer uma versão que não soasse óbvia, então fizemos uma versão diferente do que a galera esperaria – nossos amigos do Los Fastidios nos ajudaram gravando o backing vocals, então estou bem ansioso para ver como será a recepção da galera. O disco agora está sendo masterizado na República Tcheca e, assim que voltar, a gente vai lançar pelo menos um trechinho para a galera escutar.

Bolha Musical: Além deste EP que está com crowndfunding aberto, quais são os planos futuros da Juventude Maldita? Há algum CD, demo, vídeo ou qualquer outro projeto em vista? Demente: Além deste EP no crowndfunding ("Manual do Guerrilheiro Urbano"), a gente gravou mais um EP, o "Olho Por Olho Dente Por Dente", composto por 4 faixas (três já prontas e uma que estamos ainda finalizando a gravação). Então nosso plano é conseguir viabilizar o lançamento deste EP também. Espero que a gente faça bastante shows este ano. Temos a ideia de lançar um videoclipe para a música "Pise Na Cabeça Dele" e é isso. Vale dizer que estamos também considerando férias daqui um tempo, assim cada um pode ir cuidar de seus projetos e deixar a banda dar uma respirada. Ainda vamos ver isso direitinho... mais de 20 anos tocando punk sem parar é uma coisa boa, mas tem hora que você precisa parar para dar uma arejada e pôr a cabeça no lugar (até mesmo pelo bem da própria banda, já que não queremos fazer sempre o mais do mesmo). O fundamento da Juventude Maldita é nunca se repetir. Não queremos sempre fazer músicas como "Pisa Na Cabeça Dele", não queremos repetir uma fórmula. A gente quer expandir, fazer e falar coisas diferentes. Queremos desenvolver nossa música o máximo possível, sem preconceitos e sem limites. Eu acho que esses dois EPs que estão para sair já vão dar uma cara legal para a banda. Vocês vão ver que a Juventude Maldita é uma banda punk, de hardcore, de Oi!, mas que também tem várias influências e experiências legais. Acho que é importante sair um pouco da zona de conforto. A cultura punk é uma parada muito foda, eu gosto, uso moicano, uso jaqueta de couro, mas acho que temos que arriscar! O punk tem que estar em constante evolução, porque a repressão do sistema não pára de evoluir, o capitalismo e as condições que geraram o punk também não param de evoluir, por isso não podemos parar de evoluir. Não podemos virar um retrato do passado. Punk não é rockabilly, punk envolve política, fundamento político e questionamento social. Não é só cultura, o punk tem muito de contracultura também.

Bolha Musical: Se pegarmos, por exemplo, as letras do disco "Germinal" (meu favorito da Juventude Maldita), parece que a maioria delas falam da atual cena política do Brasil – porém o disco já completou 10 anos em 2016. De que forma o cenário político brasileiro afeta o som da banda? Demente: O cenário político afeta tudo para a gente. Nós somos uma galera muito ligada em política. Eu sou ligado, o Junior também e várias outras pessoas que participaram da Juventude Maldita também são. A gente tem interesse nisso e estamos de olho nas coisas que acontecem ao nosso redor. Estamos sempre aprendendo, criticando e questionando, então temos tudo a ver. Às vezes eu vejo bandas por aí que são fodas... mas quando você vai falar com o cara, ele vem e te lança um "pô, na época da Ditadura que era bom", entendeu? A Juventude Maldita tem uma postura política, a gente acredita num lance e quer desenvolver esse pensamento. Eu sou um anarquista, eu estudo, gosto e me interesso pelo assunto, então penso e reflito a respeito. Não quero apenas aceitar um monte de dogmas, quero refletir e tentar imaginar como seria uma sociedade diferente. É no exercício da reflexão e da imaginação que a gente molda as bases do que pode vir a ser um dia a nossa sociedade.

Bolha Musical: Numa era digital, os downloads podem tanto ajudar uma banda independente (divulgando o som em todo o mundo), como pode também atrapalhar a banda (prejudicando a vendagem de material físico). Como você enxerga essa questão? Demente: Uma pergunta muito pertinente também. Você falou tudo, porque ajuda na divulgação hoje em dia – se a gente acabar um som, basta jogar o material no Youtube ou Facebook que a interação é instantânea... isso é muito legal! Por outro lado, é também como você falou, download pode prejudicar a venda de material físico e isso é muito complicado para a banda. A gente precisa sobreviver de alguma forma, temos estrutura de ensaio, gravação, instrumentos, shows, turnês, etc, e o dinheiro precisa vir de algum lugar. No punk todo mundo tem de ser ativo. Enfim, não tem muito o que falar, porque essa é a realidade de hoje e a gente sempre busca outras alternativas. Queremos lançar um vinil colorido e numerado a mão justamente para a galera pensar: "pô, é um item de colecionador". Eu acho até difícil analisar hoje o que é melhor e o que é pior. É muito bacana que a gente tenha as coisas tudo na hora, de maneira instantânea, porque antigamente você fazia uma música e tinha que mostrá-la de mão em mão; até você fazer um disco e distribuir levava um tempão! O "Germinal", por exemplo, é um disco que embora tenha sido lançado há onze anos, a gravação ocorreu há mais tempo que isso, com certeza! Ele foi gravado há uns doze ou treze anos. Tem muita gente que fala que é um dos discos preferidos da banda e um dos melhores do punk brasileiro, mas ele já é um disco antigo! A gente já lançou mais dois discos depois dele e estamos lançando mais coisas, então leva um tempo também para a galera digerir o que você está lançando.

Bolha Musical: Bom, Demente, eu agradeço muito pela entrevista. Mande seu recado final a todo mundo que vai ler essa entrevista! Demente: Bom, cara, eu queria agradecer o espaço. É muito importante ter gente aí pensando e falando sobre a nossa cena, criticando também, enfim... é importante a ideia estar se movimentando! Então obrigado a vocês por achar que somos uma banda interessante para o espaço, a gente agradece. A gente queria mandar um salve aí aos verdadeiros e convidar toda a galera que curte o nosso som, que curte o punk rock, para colar no nosso próximo show, dia 28 de julho, em Piracicaba, ao lado do Subversivos. É isso aí, galera! Muito obrigado e um grande abraço.

Não se esqueça de ajudar a Juventude Maldita com o crowndfunding de seu novo EP. Clique aqui para fazer a sua doação.


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