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Autoramas: Gabriel Thomaz concede entrevista ao Bolha Musical

Na tarde de sábado, 22 de julho, o músico Gabriel Thomaz (Autoramas) concedeu uma interessante entrevista ao jornalista musical Rafael Fioravanti. Falando bastante e sem papas na língua, o músico refletiu sobre o papel do Autoramas nos dias de hoje, sobre as influências do grupo, sobre a turnê que mais chamou sua atenção, sobre o papel dos downloads na atualidade, sobre os discos de vinil que mantém em sua coleção, e claro, discorreu também sobre as várias bandas que tem ouvido nos últimos tempos.

Em 1997, após o fim do Little Quail and the Mad Birds, Gabriel já tratou de dar o pontapé inicial naquilo que viria a ser o Autoramas. Como frontman da banda, gravou discos que chamou a atenção do público por causa do ritmo dançante e enérgico. Do primeiro álbum, "Stress, Depressão & Síndrome do Pânico" (2000), saíram singles que pularam rapidamente às rádios do país e à MTV. Sob o holofote, a partir daí veio só rock n roll ladeira abaixo com o Autoramas.

Confira abaixo a entrevista.


Bolha Musical: Antes do Autoramas, você esteve com o Little Quail and the Mad Birds. Pode-se dizer que o Little Quail colaborou de alguma forma para o som do Autoramas? Gabriel Thomaz: Sim, eu sou o principal compositor das duas bandas, então acho que tem. É a mesma pessoa ali. Porém, pode-se dizer que o som do Autoramas é uma evolução; o Little Quail eu considero um início, sabe? E muita coisa que eu queria fazer com o Little Quail e não tive oportunidade, acabei fazendo depois com o Autoramas.

Bolha Musical: Bom, para ouvir coisas diferentes hoje é inevitável recorrer ao underground, porque a grande mídia já não apresenta nada de novo há um bom tempo. Falando dos anos 2000, o Autoramas levou 3 prêmios no VMB de 2005. Como você pode dizer que está o cenário musical para uma banda independente hoje? Gabriel Thomaz: Olha, nós somos uma banda independente profissional, a gente já faz bastante coisa em televisão e rádio. Essa divisão aí entre underground e sei lá o quê é uma coisa que eu não acredito. Acho isso uma invenção. Tem bandas que conseguem fazer algumas coisas que outras não conseguem, mas o que vale é a música. A grande mídia, sei lá, quem é que manda nisso? Você sabe o nome? Eu não sei... Bolha Musical: As grandes gravadoras? Gabriel Thomaz: Grande mídia é uma expressão que eu tenho até um pouco de implicância, sabe? Desde que nasci, as melhores coisas que eu ouvia não eram necessariamente as que mais vendiam. Então acho essa coisa de grande mídia, de underground e de mainstream uma coisa que tentam botar na nossa cabeça. Eu acho que música é música. Se tem mais gente ou menos gente que gosta de algo, eu não tenho que necessariamente obedecer a essas regras. Acho que o rock não tem que obedecer a essas regras.

Bolha Musical: E o fato de a banda ter começado como um trio, e hoje ser um quarteto, foi uma decisão tomada para se tentar buscar algo a mais em termos de sonoridade? Gabriel Thomaz: Com certeza! Tem muita coisa que a gente gravava em estúdio que tinham que ser adaptadas ao vivo, simplesmente pelo fato de sermos só três pessoas. Agora a gente já consegue fazer de tudo. Você tem toda razão, pergunta muito boa.

Bolha Musical: Bom, é claro que o som de uma banda sempre tende a evoluir, a banda sempre busca novas guinadas, enfim, isso é uma coisa normal. Mas se tem uma coisa que, na minha opinião, nunca se perdeu no som do Autoramas, foi essa coisa do rock dançante. Acho que isso já se tornou uma característica do som, então quais são as maiores influências do Autoramas hoje? Gabriel Thomaz: Eu acho que o Autoramas é uma banda muito influenciada pelo punk rock, pelo som de garagem dos anos 60 e suas vertentes. Gosto muito do som do B-52 e do Devo, bandas que também são dançantes. Gosto de música com energia, sabe? Sempre gostei muito de sair na noite, tomar uma cerveja e dançar na pista de dança, então o som do Autoramas ser dançante desse jeito vem muito desse sentimento, dessa satisfação que é ouvir uma música com os alto-falantes no volume máximo e todo mundo junto suando numa pista. Então a ideia da banda, o som, os timbres e as dimensões que a gente usa nos arranjos vêm muito daí.

Bolha Musical: O Autoramas é uma banda que já fez shows em vários lugares e em vários países. Qual é a sua melhor recordação em turnê? Gabriel Thomaz: Cara, a gente é um dos únicos artistas brasileiros que já fez shows em todos Estados do Brasil. Além disso, já tocamos em 23 países pelo mundo, 23 diferentes países. Para mim, fazer turnê une as duas coisas que mais gosto: viajar e tocar. Tenho muitas recordações boas de tudo isso. O Japão, por exemplo, foi uma viagem muito louca! O México é um dos países que eu mais curto ir. As turnês pela Europa costumam ser muito trabalhosas, porém divertidas. Quer ver só uma lembrança sensacional? Uma vez a gente foi tocar em Rennes e Nantes, duas cidades francesas, sendo que, em Rennes, a gente foi abrir para o Daddy-O-Grande (banda do guitarrista do Straitjackets). Bom, abrimos o show dos caras e quando a gente chegou em Nantes, no dia seguinte, a galera de lá veio falar que era ele que queria abrir o nosso show, porque a procura estava muito maior por Autoramas do que por ele. Ele ficou bem assustado, mas rolou tudo bem e foi sensacional. É uma lembrança muito boa!

Bolha Musical: Inclusive, uma coisa curiosa, é que os Raimundos gravaram em 1995 a faixa “I Saw You Saying”, e em 1999 gravaram “Aquela”, que talvez seja uma das últimas gravações com o Rodolfo. Mas o curioso é que foi você quem compôs ambas as letras. Como rolou essa parceria? Gabriel Thomaz: O Rodolfo é o meu amigo de infância e o Digão eu já o conheço há muitos anos – já fizemos muitas coisas juntos porque começamos juntos no punk rock. Só que Rodolfo sempre foi muito bom com hardcore, e eu já sempre gostei mais de melodia, coisas dançantes. E como eles precisavam de uma coisa nessa pegada minha, o Rodolfo me ligou e pediu para eu fazer “I Saw You Saying” junto com ele. Fizemos a música numa noite só, terminamos tudo e a faixa acabou entrando no segundo disco deles. Já “Aquela” foi um cover que eles gravaram do Little Quail.

Bolha Musical: Tem uma pergunta que eu sempre costumo fazer para as bandas, que tem a ver com o digital. Numa era digital, os downloads podem tanto ajudar uma banda (divulgando o som em todo o mundo de forma rápida), como pode também atrapalhar os planos de uma banda (prejudicando as vendas de material físico). Qual sua opinião sobre isso? Gabriel Thomaz: Olha, eu acho que não atrapalha. É bom todos saberem que, antigamente, as pessoas só compravam um disco se as músicas tocassem bastante nas rádios; hoje em dia, acho que o digital é a chance de elas ouvirem e escolherem se querem ou não comprar, sabe? Elas conhecem a música e depois vão lá e compram o disco. Mas não sei, porque essas coisas vão mudando com tanta rapidez, né? Um dia estamos falando sobre download, noutro a gente já está falando sobre streamings, então tem que ver como as coisas andam. Quando comecei a tocar, era o período de transição do vinil para o CD, e na época, todo mundo dizia que o CD era uma coisa eterna, que não se desgastava nunca, que não arranhava, diziam até que os CDs durariam a vida inteira. Hoje a gente já sabe o final dessa história. É melhor esperar para ver. (risos) Bolha Musical: Ah, sim! E acompanhar rápido as mudanças também. Gabriel Thomaz: Sim! E a gente está sempre acompanhando mesmo, porque estamos sempre fazendo coisas e pondo o negócio para rodar. Bolha Musical: Foi esses dias mesmo que saiu toda a discografia do Little Quail em formato digital, né? Gabriel Thomaz: Sim, coloquei lá. Deu um trabalho do cacete subir tudo, cara. É muito chato fazer isso. (risos) Mas está lá! Agora espero que as pessoas ouçam e dê bastante valor.

Bolha Musical: E em relação aos discos de vinil, Gabriel, você coleciona? O que você considera mais precioso na sua coleção? Gabriel Thomaz: Colecionar, eu não coleciono; mas eu sempre compro os discos que gosto. Eu tenho amigos que falam para mim: “ah, eu tenho esse mesmo disco em versão chinesa, em versão indonésia, em versão argentina”, coisas desse tipo. Eu não faço isso, eu prefiro ouvir a música, sabe? Posso ter o som em LP, em CD, mas estou sempre ouvindo. Mas, sim, eu compro muito disco porque tenho um grande prazer em ouvir música. Por volta dos anos 90, com a valorização do CD, o LP estava muito desvalorizado, então foi nesse período que acabei comprando muitos discos. E muitos inclusive tenho até hoje. Bolha Musical: O que há de legal nessa coleção? Gabriel Thomaz: Por exemplo, eu tenho os discos psicodélicos do Ronnie Von, que comprei nos anos 90 por apenas R$ 1 real. Hoje, cada disco desse vale cerca de R$ 1000 reais. Mas não vou vender meus discos, não. Bolha Musical: Ah, pra quê? É uma besteira se desfazer da coleção. Gabriel Thomaz: Já adianto à galera: não me façam propostas. (risos)

Bolha Musical: E o que você pode indicar de bom para a galera? Gabriel Thomaz: Em termos de discos? Bolha Musical: Tudo! Aliás, vamos falar de material novo. Gabriel Thomaz: Ah, tem uma banda do Canadá chamada Les Deuxluxes, eles são muito bons! Também gosto muito de uma banda espanhola, lá da região da Galícia, que se chama Novedades Carminha... a banda dos caras é muito legal, eu os vi ao vivo recentemente em Austin, nos Estados Unidos. Também curto muito uma banda japonesa que se chama Otoboke Beaver... é uma banda formada só por meninas! Elas até parecem fofinhas, mas o som que fazem é ultra agressivo. A mina fica o tempo todo mostrando o dedo para o público, enfim, é do caralho! Vi dois shows delas! Aqui no Brasil eu gosto muito do Rakta, que é um trio bem dark de meninas, é um clima muito bom! Em São Paulo tem uma banda que eu também gosto muito chamada Nicolas Não Tem Banda, o som deles é bem legal. Eu também tenho ouvido bastante uma banda da Califórnia chamada Peach Kelli Pop. Tenho dois LPs e um compacto delas. Bolha Musical: É tanta banda que fica até difícil de lembrar tudo, né? Gabriel Thomaz: Pois é, cara, tem muita coisa boa rolando! No Japão, inclusive, tem uma banda que eu também gosto muito chamada Kinoco Hotel. Na França, tem uma banda muito boa também chamada Les Grys-Grys... pô, que som animal! Os caras são de Montpelier, sul da França. Ah, tenho outra coisa para comentar, anteontem eu comprei dois discos dos anos 60, e um desses discos é de uma banda brasileira chamada Vox Deorum. Os caras têm uma música chamada “Gitarzan”, uma mistura de guitarra com Tarzan. (risos) Bolha Musical: Que puta achado! (risos) Gabriel Thomaz: Pois é, achei o disco ali e acabei comprando... do caralho! E o outro disco que comprei é de uma banda chamada Os Jovens, da época da Jovem Guarda... então tem muita coisa boa rolando por aí mesmo! Bolha Musical: Sem dúvidas! Gabriel Thomaz: Por sinal, outro grupo que tenho escutado muito é o The Lyres, uma banda americana de Boston. O som deles é animal! The Lyres é uma banda de power pop do final da década de 70.

Bolha Musical: Aliás, você costuma pegar discos onde? Feirões ou tem alguma loja em específico? Gabriel Thomaz: Ah, compro em qualquer lugar, já comprei disco até em floricultura! Onde tem sebo eu vou entrando. Bolha Musical: Na região da Sé, também tem discos ótimos para comprar. Ainda hoje você acaba encontrando coisas por R$ 2 reais. Gabriel Thomaz: O Brasil em geral é um paraíso para comprar discos. Nos anos 60 e 70, tudo que era lançado lá fora – em qualquer país – acabava vindo parar aqui também. Nessa época, o Brasil consumia muita música do mundo inteiro, do México, Argentina, Itália, França, Japão, África do Sul, etc. Eu sou um grande curioso por música, sabe? Gosto muito de sempre descobrir coisas novas, coisas diferentes. Eu tenho prazer em ouvir música. Eu vejo muitas pessoas às vezes se colocando na obrigação de conhecer algo que todo mundo conhece, sabe? Eu não sou assim, já sou diferente. Eu tenho prazer em descobrir música, tenho prazer em curtir a loucura, curtir a criatividade das pessoas. Bolha Musical: Expandir o repertório musical é sempre muito bom. Gabriel Thomaz: Sim, minha mente é um armazém muito grande querendo lotar de música. Agora, eu também tenho preconceito com um puta monte de coisa, sabe? Tem muita coisa que eu detesto, que tenho implicância e que acho um lixo. Bolha Musical: O que, por exemplo? Gabriel Thomaz: Cara, não sei nem dizer o nome... têm coisas aqui no Brasil que fazem sucesso hoje em dia que eu já acho um xingamento ao ouvido da pessoa. Tem muita coisa ruim por aí com letras muito bobocas, pessoas tentando fazer graça, mas que não são nem um pouco engraçadas. Bolha Musical: Letras de conteúdo raso? Gabriel Thomaz: Não, a questão não é nem essa, até porque eu ouço muita coisa que nem letra tem. Ainda tem coisa rasa por aí que é inteligente, que é legal e que é do caralho! Me refiro a coisas bobocas mesmo, coisas por aí que não são nada inteligentes. Tem muita coisa ruim de verdade por aí hoje.

Bolha Musical: Bom, agradeço demais pela entrevista. Qual seu conselho final a todo mundo que vai ler essa entrevista futuramente? Gabriel Thomaz: Sejam vocês mesmos. Não se deixem levar pelo conselho de ninguém, nem por esse.

"Autoramas: Gabriel Thomaz concede entrevista ao Bolha Musical" por Rafael Fioravanti | Bolha Musical

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