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Ícone do punk, Clemente Nascimento comenta seu mais novo projeto solo

Nesse bate papo exclusivo, músico fala sobre sua mais nova banda solo, "Clemente & A Fantástica Banda Sem Nome", e tece também comentários à atual cena do país

"Ícone do punk, Clemente Nascimento comenta seu mais novo projeto solo" por Rafael Fioravanti | Imagem de Felipe Bugarib

O músico Clemente Nascimento tem muita história para contar e, por isso, os bate-papos com ele costumam ser sempre longos e agradáveis. Atualmente com 54 anos, Clemente começou sua carreira no final da década de 70, ao lado do Restos de Nada – considerado por muitos como a primeira banda punk do país. Aquilo foi um estrondo na época.

Apesar de já ter passado por vários grupos, foi com as bandas Plebe Rude e Inocentes que Clemente ganhou visibilidade e se consagrou como uma peça fundamental na música punk brasileira. Em ambas as bandas, além de guitarrista e vocalista, foi co-fundador em 1981. Após vários discos lançados com ambas as bandas, tanto o Plebe Rude quanto o Inocentes seguem forte na ativa até hoje.

Paralelo à carreira na música, Clemente atua também como apresentador do programa Showlivre.

Após tantos feitos, foi só agora que Clemente Nascimento deu início ao seu primeiro trabalho solo: a banda "Clemente e a Fantástica Banda Sem Nome". Nesta entrevista concedida ao jornalista musical Rafael Fioravanti, Clemente nos conta um pouco mais sobre essa sua nova banda, e claro, não deixa de tecer comentários à atual cena punk do país. Entrevista para fã nenhum botar defeito.



Bolha Musical: Você tem bastante história com o Condutores de Cadáver, com o Inocentes, com o Plebe Rude, porém foi no Restos de Nada (ainda no final da década de 70) onde tudo começou. Como se deu o começo de tudo com o Restos de Nada? Clemente Nascimento: Rapaz, na verdade era uma banda de escola; era eu e o Douglas Viscaíno. O Douglas estava louco para montar uma banda e me convenceu a tocar, porque, na época, eu nem sabia tocar ainda. E aliás, foi ele quem me ensinou a tocar; ele já tocava guitarra e eu aprendi baixo na época para tocar com ele. E aí a coisa foi tomando proporção e forma. Depois chegou o Ariel, o Charles, e foi aí que a coisa ficou séria, né, cara? Começamos a compor as nossas primeiras canções e aí chegou o punk. Mas a gente nem era uma banda punk.

Bolha Musical: Naquele final de década de 70 (começo de 80), como é que vocês tinham contato com a música punk que vinha de fora? Clemente Nascimento: Ah, a gente já era colecionador de discos. Havia toda uma turma – a Turma da Carolina – e todo mundo já estava ligado no que estava acontecendo. Logo que a gente começou a ouvir falar de punk, todo mundo já começou a correr atrás dos discos. E o pessoal não ia atrás dos discos mais batidos, os caras iam atrás de raridades mesmo! E foi muito uma coisa de identificação, porque a gente já não gostava das coisas que estavam sendo feitas na época. A gente não gostava do rock que estava sendo feito, por isso começamos a ir atrás dos The Stooges, MC5, essas coisas mais pesadas (com sonoridade mais agressiva e mais rock n roll). Mas o lance de ouvir punk foi mesmo uma identificação. A gente começou a ouvir punk, e tipo, “caramba, é isso que a gente quer!” Foi aí que a gente começou a ir atrás dos discos de punk rock.

Bolha Musical: Numa entrevista publicada em 2016, n'O Globo, você diz que "na sua época, as coisas eram mais claras, e que hoje tudo anda muito confuso por conta do acirramentos dos conflitos". Como você enxerga o punk nos dias atuais? Clemente Nascimento: Putz! Ah, hoje o punk já se diluiu em várias coisas, né? Então aquele punk que existia na minha época, ele ainda existe, mas não mais exatamente como era. O movimento não é mais o mesmo. Isso porque todas aquelas condições que nós tínhamos na década de 80, para aquele punk florescer, mudaram um pouco. Se você pensar bem, [naquela época] o hardcore americano começou a fazer sucesso, as bandas estouraram e viraram mainstream, então o punk mudou. O hardcore na minha época era muito diferente do hardcore que está sendo feito hoje; hoje há toda uma mistura com o metal, enfim. Eu acho que o punk naquela época era uma coisa feita para a década de 80 mesmo, com todas as características daquela época. Mas claro, isso não quer dizer que hoje o punk não exista! Isso não quer dizer que não exista hoje gente com postura underground, com postura forte... tem várias bandas por aí mantendo esse tipo de postura! Mas hoje estamos numa época confusa mesmo, né, cara? É uma época estranha. O inimigo era muito mais claro antigamente.

Bolha Musical: Agora, nós podemos dizer que você está oficialmente com o seu primeiro trabalho solo. A banda chama-se "Clemente e a Fantástica Banda Sem Nome". Como surgiu esse projeto? Clemente Nascimento: Cara, esse projeto é uma coisa que faz tempo que eu tenho vontade de fazer. Eu tinha algumas músicas, mas nunca as levava para frente. E aí o Rodrigo Cerqueira (que é o baterista do projeto), ficou naquela de “pô, vamos começar um projeto solo”. É aí que deu aquela instigada. O legal do projeto solo é você poder navegar por outros caminhos que você não navega nas suas bandas principais – e como eu estava com tempo para poder colocar o projeto em prática, acabei correndo atrás dos parceiros: o Joe Gomes, o Rodrigo Cerqueira (que já tinha se mostrado a fim) e o Johnny Monster. Foram essas pessoas que encontrei e eu sabia que poderia confiar nelas para poder fazer um trabalho junto. O trabalho solo nunca é um trabalho solitário. Você precisa da cooperação de pessoas que tenham a ver com você. E essa banda é realmente fantástica!!! Ela é uma banda que, pô, pelo amor de Deus! E muita coisa saiu do jeito que a gente gosta, porque somos uma banda onde o pessoal se dá super bem. Bolha Musical: Legal, é importante que o pessoal fale a mesma língua. Clemente Nascimento: Ah, sim! E outra, eles têm uma instigação em compreender a sonoridade que eu proponho. Compreender e transformar, porque muita coisa que está ali mudou muito desde o primeiro contato – as linhas de baixo mudaram muito, enfim, tudo começou a tomar outra forma se comparado com o começo. E muitas coisas foram para um lado inesperado, o que é muito legal também.

Bolha Musical: Você comentou do Joe Gomes (ex-Pitty), do Rodrigo Cerqueira (ex-Skuba) e do Johnny Monster (Daniel Belleza & Corações em Fúria). Mas como você chegou à conclusão que eles seriam a melhor opção para esse novo projeto? Clemente Nascimento: Ah, eles são amigos. E são também pessoas que eu admiro musicalmente e que conheço já há muito tempo. O Joe Gomes eu conheço desde a época em que ele tocava no Dead Billies (eu o conheci lá em Recife, num dos Abril Pro Rock). Ele é um cara que eu já venho acompanhando há um tempo, sem falar que ele tem uns discos sensacionais com o Dead Bilies, incluindo aquele de capa branca que esqueci o nome [o disco chama-se Heartfelt Sessions]. Já o Johnny Monster eu o conheço desde a época em que ele tocava no RIP Monsters com o Gastão Moreira; e eu também o tenho acompanhado sempre, seja com o Daniel Belleza ou em bares por aí. Ele faz um trabalho sensacional. Bolha Musical: É um pessoal das antigas. Clemente Nascimento: Sim. É um pessoal das antigas, galera que conheço e acompanho já faz tempo. Sobre o Rodrigo Cerqueira, fui eu quem contratei o Skuba lá pra Paradoxx. Então são pessoas que eu conheço há muito tempo e tenho uma admiração pelo trabalho. Aliás, o Rodrigo (além do Skuba) teve também o Firebug. Uma banda muito boa, com uns discos sensacionais. Então, todos eles são pessoas que têm um cuidado com o trabalho que fazem, o que é algo muito legal, né? Eu queria parceiros assim para estar fazendo um disco comigo.

Bolha Musical: Bom, façamos agora um paralelo. Levando em consideração tudo o que você já viveu na cena punk (seja com o Restos de Nada, com o Plebe Rude ou com o Inocentes), de que maneira você acha que essas experiências influenciam o som desse seu novo projeto solo? Clemente Nascimento: Ah, acho que influencia em tudo, porque, foram experiências que eu tive na vida e elas estão todas ali. É que para fazer punk tem algumas referências que a gente acaba não usando; por exemplo, eu gosto de King Crimson, entendeu? Assim como também gosto de Tom Waits... mas ele não cabe no tipo de punk que eu faço, por isso o trabalho solo permite que você navegue por outros lugares, permite que você use suas outras influências. E você sabe, eu ouço rock desde garoto.

Bolha Musical: Sobre seu novo projeto solo, "Sou Como o Sol" foi o primeiro clipe que vocês gravaram. A música é bem legal, a letra mais legal ainda. Como veio a inspiração para essa letra? Clemente Nascimento: Putz, cara, eu estava parado no trânsito, num puta congestionamento, tentando sair de lá e aí me veio essa frase: “Sou como o sol suspenso lá no céu”. E isso aí ficou na minha cabeça por muito tempo. Não tem uma fórmula, sabe? Mas me veio uma raiva tão grande lá naquele trânsito que talvez a letra nem fosse para esse lado (risos). Eu só terminei a letra anos depois. Eu tinha só o começo. “Queimo quem tentar se aproximar, cego quem tentar me observar, minha radiação pode te desintegrar, levo tudo numa grande explosão solar”. Na verdade eu estava bem puto ali naquele trânsito! (risos)

Bolha Musical: E o que você anda ouvindo de novo? Quais bandas mais chamam sua atenção hoje? Clemente Nascimento: Puta merda, tem tanta coisa! Às vezes me dá uns brancos, porque eu sempre acabo ouvindo muita coisa no Show Livre. Mas tem o Jonnata Doll e os Garotos Solventes que eu gosto, acho bem legal. Tem o Escambau, que é uma banda lá do sul. Também gosto muito dos Devotos ainda. Putz, tem muita coisa legal sendo produzida! Tem a banda Expresso Vermelho, de Curitiba, que é bem hard rock, o som deles é bem legal, tem um teclado bem doido. Ah, tem muita coisa boa!

Bolha Musical: Em 94, o Inocentes participou de um curta-metragem chamado "Opressão", dirigido pela Mirella Martinelli. Como que nasceu esse projeto? Clemente Nascimento: Eu conheço faz tempo a Mirela! Ela era vocalista de uma banda chamada TFP, sigla de “Tradição, Família e Propriedade”. Era uma banda da USP. Inclusive a gente até brinca, porque eles não eram uma banda punk da periferia. E como o TFP tocava bastante no Napalm e em vários lugares, a Mirella acabava sempre frequentando os mesmos lugares. Ela morava com o Cláudio, que eu acho que era o guitarrista da banda. Ela fazia cinema na USP, aí quando ela terminou o curso e foi fazer aquela curta, ela me convidou. A gente já se conhecia, então ela já tinha na cabeça o personagem e o tipo de música que ela queria. Bolha Musical: É um filme bem interessante, né? Clemente Nascimento: É bem legal, cara! É um filme bem legal! Bolha Musical: O filme lembra bastante o cinema alemão. Ele traz ares de “Stroszek” do Herzog. Clemente Nascimento: Sim, sim, tem tudo a ver, porque a gente estava fissurado pelo cinema alemão naquela época. E é louco, porque o Jonnata Doll gravou um filme muito parecido. Claro, é outro curta, feito com uma amiga atriz que tenho, mas acabei vendo algumas cenas desse filme e pensei: “nossa, mas isso me lembra o 'Opressão', da Mirella”. E você vê, já se passaram quase 25 anos! As coisas são cíclicas! Esse curta que o Jonnata Doll participa também tem uma atriz meio oprimida que foge de casa e tal. É claro que são filmes diferentes, todo o roteiro é diferente, mas ainda assim eu consigo enxergar uma coisa muito próxima. Eu não comentei nada, mas pensei na hora: “pô, isso daí é velho, eu já vi essa história.” (risos)

Bolha Musical: E para finalizar, qual seu recado final a todo mundo que vai acompanhar essa entrevista? Clemente Nascimento: Ouçam o disco e leiam o meu livro “Meninos em Fúria” – feito em parceria com o Marcelo Rubens Paiva. Eu só não posso falar para assistirem o filme, porque ainda não fizemos um. (risos) Bolha Musical: Mas vai ter futuramente, né? (risos) Clemente Nascimento: Eu espero que tenha! (risos) Mas é isso! Nós estamos aí na ativa, a Plebe Rude está aí na ativa, eu estou lançando um disco solo... enfim, enquanto a gente continuar relevante e ter coisas para dizer, vamos continuar trabalhando. Bolha Musical: O importante é nunca parar. Clemente Nascimento: Pô, nem me fale! (risos)


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